Advogadas dizem que barreiras na lei dificultam adoção de crianças brasileiras por estrangeiros
Números do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), braço do Conselho Nacional de Justiça que cuida da adoção mostram que no Brasil, atualmente, cerca de 46 mil crianças e adolescentes estão em abrigos, no entanto, apenas sete mil podem ser adotados. Por outro lado, aproximadamente 37 mil pessoas esperam na fila nacional de candidatos a pais adotivos. Nessa lista de pretendentes, mais de 130 são estrangeiros habilitados para a adoção. “O número de pessoas de outras nacionalidades que querem adotar crianças brasileiras vem caindo a cada ano, por conta das barreiras criadas pela Lei 12.010 de 2009”, dizem as advogadas Jamile Jambeiro e Graça Malheiros, que desenvolvem pesquisa sobre adoção internacional.
Ainda de acordo com Jamile Jambeiro, os números do CNA nos últimos cinco anos revelam que a queda de adoções de crianças brasileiras por estrangeiros atingiu a casa dos 63,6%. “Em 2010, foram 316 adoções internacionais homologadas no país contra 115 no ano de 2015”, compara, ressaltando que com a Lei 12.010 foram criados alguns entraves burocráticos que terminam afastando os pretendentes. “Hoje, o estrangeiro tem que esperar mais tempo que um brasileiro para conseguir adotar. O procedimento sempre foi complexo para a adoção e terminou ficando ainda mais extenso com esse tempo”.
Hoje, no Brasil, um processo de adoção pode durar entre dois anos e dois anos e meio. “Se tivermos, por exemplo, uma família brasileira e outra estrangeira interessadas na mesma criança a família estrangeira terá que esperar por todo esse tempo para saber se deu tudo certo para a família brasileira, que tem a preferência segundo a lei. O que é justo. Porém, com todo esse tempo a família estrangeira acaba desistindo e ocorrem casos em que no fim do processo os brasileiros também não conseguiram ou desistiram da adoção. Como a família estrangeira também ficou de fora, a criança acaba sendo a grande prejudicada”, ressalta Graça Malheiros.
“A legislação também complicou um pouco mais a pretensão de estrangeiros em adotar crianças brasileiras, principalmente pelo custo final de um processo, que hoje pode chegar a até US$ 25 mil, o que poderia corresponder a R$ 77.500 (dólar cotado a R$ 3,10), o que acaba com o sonho de muitos deles”, destaca Jamile Jambeiro, lembrando ainda que o estrangeiro tem que cumprir um estágio de convivência no Brasil de pelo menos 30 dias.
Graça Malheiros prossegue lembrando que é muito comum algumas autoridades reclamarem pelo fato de existirem poucos brasileiros interessados em adotar nossos órfãos. “Eu sempre me pergunto quando ouço algo do tipo, sobre o por que de então dificultar a adoção para estrangeiros comprovadamente capazes, fato confirmado durante todo o processo transcorrido aqui no Brasil”, acrescenta. Ela lembra ainda as exigências já tradicionais feitas por brasileiros na hora de escolher uma criança para a adoção. “O estrangeiro, por sua vez, não se importa com cor ou raça ou mesmo idade e tamanho. Ele quer adotar, não tem estereótipo pré-estabelecido”.
CONVENÇÃO DE HAIA – Jamile Jambeiro lembra que o Brasil faz parte da Convenção de Haia, relativa à proteção de crianças e adolescentes. “Ela tem o objetivo de assegurar que a adoção internacional seja feita de acordo com o interesse maior da criança e também de prevenir o sequestro, venda ou tráfico de crianças”. De acordo com a advogada, a maioria das adoções feitas por estrangeiros acaba sendo com crianças acima dos seis anos de idade. “O brasileiro sempre prefere crianças mais novas, o que faz com que muitos órfãos acabem ficando de fora dessas escolhas”.
Ainda de acordo com os levantamentos feitos pelo CNJ, entre 2010 e 2015 foram concretizadas 1.409 adoções internacionais no país. Com base nos números levantados em 2015, os estados que mais realizaram adoções para estrangeiros foram: São Paulo (35), Rio de Janeiro (20), Minas Gerais (16), Santa Catarina (14), Pernambuco (9) e Espírito Santo (8). Os italianos são os que mais adotam crianças brasileiras. Das 115 adoções internacionais realizadas em 2015, 90 foram feitas por italianos, e as demais por franceses, espanhóis e norte-americanos.
DESBUROCRATIZAR A ADOÇÃO – No ano de 2016, o Ministério da Justiça e Cidadania adotou uma iniciativa para tentar desburocratizar o processo de adoção, eliminando brechas e lacunas criadas pela Lei 12.010/2009. Uma das iniciativas colocadas em prática foi a criação de uma consulta pública, que colheu, até novembro do ano passado, sugestões da população sobre essa importante questão, que precisa ser discutida por todos e aperfeiçoada para que possa trazer benefícios para milhares de crianças e adolescentes que esperam por uma adoção.
“Em respeito e atenção a essas crianças e adolescentes que buscam uma nova família, e também às milhares de pessoas que querem adotar, precisamos aprimorar o processo de adoção, tornando-o célere, eficaz, seguro juridicamente e o mais transparente possível. A demora nos processos de adoção é prejudicial tanto para as crianças quanto para as famílias”, acrescenta Jamile Jambeiro.
“Somente venho levantar a questão que a desburocratização não vem para deixar adoção vulnerável ao tráfico de crianças, e que estas barreiras encontradas incentivam os estrangeiros muitas vezes a buscar os métodos informais e ilegais, fazendo com que o tráfico de crianças se fortaleça”, ressalta Graça Malheiros, lembrando ainda que é preciso o governo promover mais investimentos no combate ao tráfico de crianças.
“Não é com mais burocracia que se consegue inibir ações de criminosos. A burocracia serve, sim, para dificultar a adoção de crianças brasileiras por famílias de estrangeiros bem intencionados e dispostos a ampliar suas famílias”, finaliza Jamile Jambeiro.